Com este "Terminal de aeroporto", Steven Spielberg confirma todo o seu eclectismo, virtuosismo e humanismo. Eclectismo porque uma vez mais aborda um tema diferente das suas obras anteriores: o limbo espacial como local de confluência da fábula sobre os pequenos grande feitos da vida. Na terra de ninguém por excelência (um aeroporto), um microcosmo da sociedade americana é marcado de forma indelével por um estrangeiro de coração de ouro com uma missão capaz de dar jazz aos nossos corações. É talvez o seu filme mais cómico (a par do injustamente fracassado - mas irresistível - "1941 - Ano Louco em Hollywood"), surpreendendo pelo poder de proliferação de situações humorísticas nos mais variados contextos (a esse propósito, o jantar romântico é um achado). Virtuosismo, que é já uma imagem de marca, pela forma irrepreensível como filma os mais variados géneros com mestria e sem repetir fórmulas narrativas ou visuais. Enfim, o humanismo, outra marca de alguém que não deixa de acreditar na raça humana, na sua complexidade e nas suas emoções.
Sendo um dos filmes de Spielberg mais críticos em relação ao sistema legal norte-americano (mais uma novidade), não deixa, contudo, de celebrar a miscigenação e a tolerância como alicerces do que se designa por "american way of life", não sem colocar a nu muitas das suas contradições.
"Terminal de aeroporto" é um filme do coração, sentimental por vezes, hilariante com frequência, fonte inesgotável de entretenimento, com uma banda sonora fabulosa do mestre John Williams e um trabalho de cenografia absolutamente perfeito.
Uma delícia de um autor que não se cansa de nos presentear com objectos de fascínio.
28 de setembro de 2004
14 de setembro de 2004
"Homem-aranha 2" (Spider-man 2, 2004) de Sam Raimi
A sequela de "Homem-aranha", embora não traga nada de substancialmente diferente do primeiro capítulo (no campo formal), possui alguns ingredientes que o tornam ligeiramente superior. Destaquem-se os dois mais importantes: um retrato mais humano do herói, por vezes afundado nos seus dilemas e angustiado com as suas fragilidades (o que o torna bem mais interessante); e um vilão também mais conseguido, aliando a virtuosa concepção gráfica-funcional com a complexidade do seu lado psíquico. É bom não esquecer ainda algumas sequências deliciosas em termos de humor. Em suma, um bom entretenimento.
9 de setembro de 2004
"Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" (Harry Potter and the Prisoner from Azkaban, 2004), de Alfonso Cuarón
Mais aventuras da personagem mais célebre da literatura infanto-juvenil da actualidade. Este terceiro tomo não acrescenta nada de cinematograficamente novo, pois isso poria em causa os seus objectivos comerciais. As cores são, todavia, mais negras, ao mesmo tempo que os jovens já são adolescentes e se adivinha alguma tensão sexual. Os efeitos especiais são como habitualmente muito bons e ninguém fica defraudado em relação ao que espera ver. Destaque para a sequência da breve viagem ao passado, particularmente bem conseguida.
8 de setembro de 2004
"O Tempo do Lobo" (Le Temps du Loup, 2003), de Michael Haneke
Este é um filme que percorre os efeitos de uma catástrofe não especificada nos antípodas formais das típicas produções "made in Hollywood". Por conseguinte, é preciso avisar o público do multiplex que esta narrativa pode ser de difícil digestão (o que não é poblemático, pois não se encontra em exibição em nenhum centro comercial...).
Algures em França, algum acontecimento catastrófico (que o filme nunca menciona) colapsou a organização urbana, o sistema de comunicações e de produção a que a civilização dita ocidental se habituou. Estamos, portanto, num típico cenário de ficção científica que antecipa uma realidade assustadora com que as personagens se vão debater. Aí instalado, o filme recusa sempre qualquer efeito espectacular que transcenda o emocional e o humano, expurgando todos os artifícios visuais e ficcionais. Tenta, a partir do temível pressuposto inicial, analisar o ser humano frente à perda das suas coordenadas de conforto. Começa com uma típica família que se desloca de carro (lembrando logo o início de "Brincadeiras Perigosas" do mesmo Haneke), passando mais tarde para a sua integração num outro grupo de sobreviventes, e depois ainda pela invasão deste por um grupo ainda maior. Trata-se de um miocrocosmo da humanidade: com as suas misérias, os oprimidos, os aproveitadores, as pequenas solidariedades, a lei do mais forte, a angústia perante a falta de afecto e a perda da esperança.
Sempre com uma sensação de incómodo (recorrente na obra do cineasta austríaco - do citado "Funny Games" até ao estupendo "A Pianista"), acompanhamos o grupo de personagens como que sabendo que podíamos estar no seu lugar (aqui não há lugar para exclamações como "vê-se mesmo que é um filme!"). Indignamo-nos com as regras impostas pelos mais fortes, sensibilizamo-nos com o desespero do pequeno Benny e com a impotência da sua mãe, sofremos com os infortúnios daqueles seres que só tentam sobreviver.
Ainda que menos marcante que os seus dois últimos filmes (talvez pela dificuldade em conciliar o destino individual e o colectivo - Isabelle Huppert não agrega aqui o protagonismo), "O Tempo do Lobo" é um (mais um de Haneke) óptimo exercício sobre os enigmas da condição humana, neste caso num contexto de antecipação científica. Excelente (de tensão e enquanto sinal de esperança) é a sequência final que envolve Benny e o seu desejo de mudar o mundo - o seu e o dos outros. Ou será simplesmente ter o seu pai de volta?
Algures em França, algum acontecimento catastrófico (que o filme nunca menciona) colapsou a organização urbana, o sistema de comunicações e de produção a que a civilização dita ocidental se habituou. Estamos, portanto, num típico cenário de ficção científica que antecipa uma realidade assustadora com que as personagens se vão debater. Aí instalado, o filme recusa sempre qualquer efeito espectacular que transcenda o emocional e o humano, expurgando todos os artifícios visuais e ficcionais. Tenta, a partir do temível pressuposto inicial, analisar o ser humano frente à perda das suas coordenadas de conforto. Começa com uma típica família que se desloca de carro (lembrando logo o início de "Brincadeiras Perigosas" do mesmo Haneke), passando mais tarde para a sua integração num outro grupo de sobreviventes, e depois ainda pela invasão deste por um grupo ainda maior. Trata-se de um miocrocosmo da humanidade: com as suas misérias, os oprimidos, os aproveitadores, as pequenas solidariedades, a lei do mais forte, a angústia perante a falta de afecto e a perda da esperança.
Sempre com uma sensação de incómodo (recorrente na obra do cineasta austríaco - do citado "Funny Games" até ao estupendo "A Pianista"), acompanhamos o grupo de personagens como que sabendo que podíamos estar no seu lugar (aqui não há lugar para exclamações como "vê-se mesmo que é um filme!"). Indignamo-nos com as regras impostas pelos mais fortes, sensibilizamo-nos com o desespero do pequeno Benny e com a impotência da sua mãe, sofremos com os infortúnios daqueles seres que só tentam sobreviver.
Ainda que menos marcante que os seus dois últimos filmes (talvez pela dificuldade em conciliar o destino individual e o colectivo - Isabelle Huppert não agrega aqui o protagonismo), "O Tempo do Lobo" é um (mais um de Haneke) óptimo exercício sobre os enigmas da condição humana, neste caso num contexto de antecipação científica. Excelente (de tensão e enquanto sinal de esperança) é a sequência final que envolve Benny e o seu desejo de mudar o mundo - o seu e o dos outros. Ou será simplesmente ter o seu pai de volta?
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