28 de abril de 2006

«Infiltrado» («Inside Man», 2006), de Spike Lee


Desde o genérico inicial ao som de um surpreendente «Chaiyya Chaiyya - Bollywood Joint» que somos levados para uma vibrante viagem até a um assalto que serve de catalizador para a energia que existe concentrada nas personagens do filme e na própria cidade de Nova Iorque. Temos um thriller cheio de estilo, algo à semelhança de «Ocean’s Eleven» e sequela, onde o divertimento é grande e a pertinência sócio-económico-político-moral também. O argumento mantém o suspense e os níveis de verosimilhança em alta, o que é absolutamente decisivo para o excelente resultado final. Já se sabe, Spike Lee é grande (em talento, não em tamanho) e aqui tem mais uma excelente realização, que consegue manter o cunho autoral num contexto de cinema mais industrial. O retrato do caldo de culturas que é Nova Iorque está absolutamente delicioso, assim como as referências às paranóias securitárias pós-11 de Setembro. A ironia também é sempre elevada, como convém, destacando-se também as referências cinéfilas (sempre um petisco quando bem inseridas). Quanto aos actores, dão também o seu importante contributo, destacando-se o fabuloso Denzel Washington e Clive Owen. Em síntese, temos uma espécie de mistura de «Um Dia de Cão» com «Ocean’s Eleven» e «A Última Hora». Um grande filme para quem quer ser entretido com doses refinadas de inteligência e humor.

21 de abril de 2006

«Breakfast on Pluto» (2005), de Neil Jordan


Transposição fílmica do romance homónimo de Patrick McCabe, a última obra de Neil Jordan é uma pérola que importa descobrir, apesar de infelizmente estar a passar ao lado da visibilidade. Às vezes, parece um filme de Almodóvar, outras vezes parece uma ópera ou um musical. Combina aquela dimensão realista de um certo cinema britânico (algum Mike Leigh ou o Alan Parker de «Os Commitments», por exemplo) com um humor irresistível e aquele tempero extravagante associado à cultura GLBT. O protagonista – excelente Cillian Murphy – é um jovem com alma de mulher que anda uma vida à procura da mãe biológica (a sua obsessão) e acaba por descobrir o pai. A sua digressão em direcção às suas origens tem tanto de comovente quanto a sua atitude positiva perante a vida. A sua história é contada em capítulos que vão compondo um todo dramático espesso, ao mesmo tempo que pintam um interessante retrato de uma época (essencialmente os anos 70) cheia de convulsões sociais e artísticas. Profundamente divertido e humano, este filme conta ainda com uma banda sonora magnífica, que estabelece o tom certo para esta desconcertante aventura romântica.
Mais um grande filme de Neil Jordan para juntar à sua significativa colecção («A Companhia dos Lobos», «Jogo de Lágrimas», «Entrevista Com o Vampiro», «O Fim da Aventura», etc.).

7 de abril de 2006

Uma História de Violência (“A History of Violence”, 2005), de David Cronenberg


Excelente filme sobre a família, a natureza humana, o cinema e (hélas!) a violência. Outra coisa não seria de esperar de um dos maiores realizadores no activo. Cronenberg é dos poucos (juntamente com Lynch, Von Trier e poucos mais – entre os que chegam ao grande público) a destilar uma visão realmente original nos seus filmes, muitas vezes desconcertantes.
Mas esta sua última obra afasta-se das psicologias retorcidas (o sublime “Crash” ou o insólito “Naked Lunch”), da dimensão fantástica (os magistrais “A Mosca” ou “Existenz”) e dos estudos mais ou menos “underground” que misturam os dois sub-géneros anteriores (“Os Parasitas da Morte”, “Videodrome”, etc.). É verdade que este é talvez o seu filme mais acessível ao nível da narrativa e dos pormenores que edificam as suas personagens.
É, se quisermos, uma mistura entre o filme de gangsters e o drama familiar, resultando ao mesmo tempo numa reflexão sobre a animalidade do homem, sobre os seus impulsos e também sobre as próprias convenções do cinema. A realização é espantosa e os actores fabulosos. Um grande destaque vai para Maria Bello, magnífica; e William Hurt, estonteante, dramático, assustador, patético (um dos melhores papéis curtos de que há memória). Mas também Viggo Mortensen, que não é actor excepcional, consegue uma grande interpretação, já para não falar na revelação que é Ashton Holmes e na confirmação de Ed Harris.
“Uma História de Violência” consegue ser um thriller linear para ser acompanhado pelas plateias maciças e ao mesmo tempo um estudo íntimo sobre os mecanismos humanos básicos que escapam à pura racionalidade (não passaria por aí uma eventual sequela de “Basic Instinct” dirigida por Cronenberg?).
É incrível como há semelhanças entre as igualmente intensas cenas de sexo, de violência e de drama familiar, uma orquestração que nos dá por breves instantes um vislumbre sobre o que é ser-se humano.

6 de abril de 2006

O Segredo de Brokeback Mountain (“Brokeback Mountain”, 2005), de Ang Lee


Este muito badalado filme confirma os seus méritos. É, de facto, uma história de amor triste mas excepcionalmente bem contada e interpretada. Homossexual, é um facto. Mostra como o verdadeiro amor é algo que acontece independentemente de género, circunstâncias ou outros quaisquer limites que se lhe queira pôr.
O impacto social que está a ter mede-se, sem dúvida, pelo número de anedotas e citações que tem tido nos mais diversos meios de comunicação (desde os programas de TV de grande audiência até aos “forwards” electrónicos que recebemos de amigos). Quando isso acontece, é incontornável que estamos na presença de um clássico.
Os dois cowboys protagonistas dão-nos um retrato muito realista de uma história que podia ter acontecido, corporizando de forma emotiva as nuances individuais que cada um coloca na sua relação. Jack ainda chega a acreditar na utopia, mas Ennis está irremediavelmente conformado com a impossibilidade de felicidade. Heath Ledger é particularmente poderoso, numa personagem que dificilmente poderá igualar no futuro, ele que era até aqui um actor bastante limitado e inconsequente. Por isso, surpreende.
O trabalho de Ang Lee também é muito bom, ele que ainda não me tinha arrebatado anteriormente, limitando-se a fazer bons filmes.
E é muito apropriada a referência a “As Pontes de Madison County”, a obra-prima romântica de Clint Eastwood. Tal como nesse filme, também aqui somos transportados para a intimidade entre dois seres que têm na sua relação um inferno/paraíso de que não conseguem escapar. Algo que se lhes cola à alma de forma indelével.