22 de novembro de 2005

«A Marcha dos Pinguins» (La Marche de l’empereur, 2005), de Luc Jacquet



Inesperado sucesso de bilheteira (especialmente nos EUA, onde fez uma carreira fenomenal), este é um filme terno que celebra a vida numa idiossincrasia a que não estamos muito habituados no cinema. Documentários sobre a vida selvagem são típicos da televisão, mas vale a pena ver este num ecrã gigante, pois o realizador-cientista Luc Jacquet monta uma narrativa que visa contar uma história particular, devidamente antropomorfizada (palavra incontornável em todos os textos sobre este filme) e adornada com uma banda-sonora conseguida.
Para além da beleza intrínseca destas impagáveis criaturas (já agora, um dos meus animais preferidos), e de algumas sequências deslumbrantes por si só, o melhor do filme é mesmo a forma como nos coloca na pele daqueles animais sempre no limiar da sobrevivência. É sabido que não devemos analisar os comportamentos animais à luz das regras humanas, mas é irresistível fazê-lo um bocadinho, e é isso desde logo o que o filme promove com a narração off. Talvez por isso, também, tenha servido como panfleto político de determinados ideais nos EUA...
Questão que se impõe: é tão ímpar ou extraordinário que mereça o sucesso global que tem alcançado? Não. Vale a pena ver? Sem dúvida.
Uma última nota para registar e saudar a crescente visibilidade que o género documental tem vindo a ter na exibição comercial portuguesa, ainda que muitas vezes resulte de contaminações várias com aquilo que se chama tradicionalmente de cinema ficcional (mas essa é uma questão recorrente na catalogação por géneros ao longo do tempo).

8 de novembro de 2005

"O Fiel Jardineiro" (The Constant Gardener, 2005), de Fernando Meirelles


Porque o amor é aquilo que mais vale a pena e salvar uma pessoa é salvar o mundo inteiro, vale muito a pena ver «O Fiel Jardineiro».
Narrativa que imbrica a história de amor entre Justin (magnífico Ralph Fiennes, de uma contenção à prova de bala) e Tessa (bela e ambígua Rachel Weisz) com a intriga global composta pela promiscuidade entre a indústria farmacêutica e a diplomacia britânica, este é um feliz exemplo do casamento entre a diversão e a reflexão. E há duas coisas particularmente comoventes neste filme. A primeira é a forma como dá a ver as vidas com diferentes preços: África surge como um continente maldito permanentemente colonizado (transformando-se a antiga colonização política numa neo-colonização económica). Uma vida no Quénia vale muito pouco e poucos se importam com isso (eles são tantos que, se não os podemos ajudar a todos, mais vale não ajudarmos nenhum…). A segunda é a maneira como Justin vai acabar por completar o trabalho da sua mulher na ausência dela. É nessa viagem também de auto-descoberta que, vendo as coisas com os próprios olhos, Justin percebe melhor a mulher e acaba por partilhar o seu ponto de vista. É, no fundo, através da reconstituição da vida (algo secreta) dela que ele acaba por sublimar o amor entre os dois.
Trata-se de um importante relato global dos nossos iníquos tempos que se torna particularmente emotivo por não existir fora das convulsões particulares de cada ser humano. Que isto resulte da adaptação de uma obra de John Le Carré por parte de um cineasta brasileiro como Fernando Meirelles é, no mínimo, surpreendente. E que bela banda-sonora de Alberto Iglesias.