Este é um filme que percorre os efeitos de uma catástrofe não especificada nos antípodas formais das típicas produções "made in Hollywood". Por conseguinte, é preciso avisar o público do multiplex que esta narrativa pode ser de difícil digestão (o que não é poblemático, pois não se encontra em exibição em nenhum centro comercial...).
Algures em França, algum acontecimento catastrófico (que o filme nunca menciona) colapsou a organização urbana, o sistema de comunicações e de produção a que a civilização dita ocidental se habituou. Estamos, portanto, num típico cenário de ficção científica que antecipa uma realidade assustadora com que as personagens se vão debater. Aí instalado, o filme recusa sempre qualquer efeito espectacular que transcenda o emocional e o humano, expurgando todos os artifícios visuais e ficcionais. Tenta, a partir do temível pressuposto inicial, analisar o ser humano frente à perda das suas coordenadas de conforto. Começa com uma típica família que se desloca de carro (lembrando logo o início de "Brincadeiras Perigosas" do mesmo Haneke), passando mais tarde para a sua integração num outro grupo de sobreviventes, e depois ainda pela invasão deste por um grupo ainda maior. Trata-se de um miocrocosmo da humanidade: com as suas misérias, os oprimidos, os aproveitadores, as pequenas solidariedades, a lei do mais forte, a angústia perante a falta de afecto e a perda da esperança.
Sempre com uma sensação de incómodo (recorrente na obra do cineasta austríaco - do citado "Funny Games" até ao estupendo "A Pianista"), acompanhamos o grupo de personagens como que sabendo que podíamos estar no seu lugar (aqui não há lugar para exclamações como "vê-se mesmo que é um filme!"). Indignamo-nos com as regras impostas pelos mais fortes, sensibilizamo-nos com o desespero do pequeno Benny e com a impotência da sua mãe, sofremos com os infortúnios daqueles seres que só tentam sobreviver.
Ainda que menos marcante que os seus dois últimos filmes (talvez pela dificuldade em conciliar o destino individual e o colectivo - Isabelle Huppert não agrega aqui o protagonismo), "O Tempo do Lobo" é um (mais um de Haneke) óptimo exercício sobre os enigmas da condição humana, neste caso num contexto de antecipação científica. Excelente (de tensão e enquanto sinal de esperança) é a sequência final que envolve Benny e o seu desejo de mudar o mundo - o seu e o dos outros. Ou será simplesmente ter o seu pai de volta?
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