28 de janeiro de 2005

"Melinda e Melinda" (Melinda and Melinda, 2004), de Woody Allen

Todas as análises aos filmes de Woody Allen invariavelmente têm que abordar essa própria condição. Concretizando, é incontornável que respondam a duas questões: corresponde àquilo que o autor nos habituou, à sua chamada imagem de marca? Está acima ou abaixo da sua média? A resposta à primeira pergunta é: sem dúvida. Relativamente à segunda, eu diria que está na média dos seus filmes.
Embora a sua obra seja predominantemente inscrita na matriz narrativa da comédia, a dicotomia drama/comédia não lhe é alheia, até porque muitas vezes Woody Allen encenou dramas, com maiores ou menores doses de humor. Essa dicotomia é o núcleo deste filme e pode considerar-se conseguido o exercício de imbricar duas histórias como aproximações artísticas possíveis de uma só realidade base. Claro que estamos na presença de uma estrutura que se afirma mais enquanto jogo dramatúrgico, mas pelo meio vai sendo possível verificar que comédia ou tragédia pode ser apenas uma questão de... perspectiva.
Os actores vão muito bem, com destaque para Will Ferrel no papel que seria puro Woody Allen se ele o resolvesse interpretar, e acima de todos Radha Mitchell. Esta é soberba, especialmente a corporizar as nuances dramáticas da sua personagem - uma excelente interpretação que merecia obter um muito mais amplo reconhecimento.

11 de janeiro de 2005

"À Procura da Terra do Nunca" (Finding Nerverland, 2004), de Marc Forster

Uma belíssima surpresa. Baseado numa peça teatral que tenta mostrar como o autor do clássico Peter Pan (J. M. Barrie) encarnava o espírito da famosa personagem infantil, o filme de Marc Forster é de uma tal justeza de meios e de uma tal intensidade dramática que proporciona momentos de verdadeira magia. Sem dúvida que convoca o imaginário de Tim Burton e, muito concretamente, o de "Big Fish", possuindo evidentes semelhanças a nível de ambiências e de temas (e também no prazer que confere ao espectador). Nem por acaso, é protagonizado pelo actor-fetiche de Burton - que não entra em "Big Fish" -, o senhor Johnny Depp numa interpretação memorável que quase faz esquecer os outros méritos do filme. Verdade seja dita, este é um dos seus maiores papéis de sempre - e logo ele que não tem poucos papéis de relevo. Acresce que o tom bizarro e saudavelmente demente da sua personagem acrescenta-a à fantástica galeria que inclui, entre outros, Eduardo mãos de tesoura, Ed Wood ou Ichabod Crane (de "Sleepy Hollow"). Os outros actores têm também óptimas prestações, com destaque para Kate Winslet (muito convincente como mãe) e o pequeno intérprete de Peter (o seu rosto triste é de uma expressividade a toda a prova).
O filme fala da imaginação como motor de vida e utiliza a fantasia não como materialização escapista, mas antes como lugar acessível a partir da realidade que somos capazes de criar. Apesar do maravilhamento que o teor fantasista convoca, o filme não contorna as dores do crescimento nem a angústia das perdas irreparáveis. Antes concilia a diversão com a tragédia, permitindo que a primeira não iluda a segunda. Comoção garantida, cinema de primeira.