6 de julho de 2004

"Brando, o imortal"

Faleceu Marlon Brando, um dos maiores actores que o cinema conheceu. Dele é conhecido o mau feitio, as opiniões e atitudes politicamente incorrectas, a gordura desmesurada com que pareceu querer matar a sua imagem de "sex-symbol". Mas o que realmente importa é a sua singular dádiva aos filmes. Devo dizer que não conheço (shame, shame) os seus famosos filmes dos anos 50, mas bastam-me as memórias de três grandes obras para o considerar um dos melhores actores do mundo: "O Padrinho", "O Último Tango em Paris" e "Apocalypse Now". As suas personagens estão de tal forma misturadas consigo próprio que a sensação milagrosa acontece perante os nossos olhos: a partilha íntima que um ser opera com um espectador por via da sua personagem. Permitam-me que destaque a sua inolvidável presença no maravilhoso "Apocalypse Now", síntese da sua arte: bastam breves instantes para ficarmos a saber o que é um actor genial.
Sophia Loren disse que actores como ele deviam ser imortais... E são!

"O Dia Depois de Amanhã" (The Day After Tomorrow, 2004), de Roland Emmerich

É verdade que sabe bem ver num "blockbuster" desta dimensão as críticas políticas à administração norte-americana (designadamente a sua despreocupação ambiental) e algumas sequências cheias de humor negro (como o repórter atingido em cheio a meio de uma reportagem ou os refugiados americanos a tentar entrar no México). Contudo, se repararmos bem, não vislumbramos substancial diferença global relativamente a outros rotineiros representantes deste género de filme "ataque-às-bilheteiras-com-efeitos-visuais-de-arregalar-os-olhos". Uma vez mais, não existe corpo dramático que apoie o desfile de efeitos visuais. Os actores não se portam mal, mas estão enredados na fórmula que traz a irritante previsibilidade. E, claro, as vedetas são mesmo os efeitos especiais, muito bons, como é habitual nestas grandes produções catastróficas. O problema é que é impossível deixar de pensar como a intensidade de uma grande interpretação pode ter um efeito emocional muito superior ao da submersão parcial de Nova Iorque - e aqui ela não existe. Filme razoável, ainda assim, mas descartável.

"Cypher", de Vincenzo Natali

Segundo filme do realizador de “Cubo”, Vincenzo Natali, premiado pelo júri do Fantasporto 2003, assim como os seus efeitos especiais e o protagonista, Jeremy Northam.
“Cypher” é um conto futurista, com um argumento labiríntico: assim como se David Mamet escrevesse uma história inspirada por “Dark City”, de Alex Proyas. Aliás, o argumento é o principal trunfo do filme, conseguindo manter o interesse e a expectativa até ao final de um labirinto construído em deprimente cenário orwelliano.
A fotografia define logo um ambiente asséptico ilustrativo de uma realidade fantástica onde as peças se encaixam de forma geométrica. A trama segue por caminhos entre o “film noir” e a ficção científica, culminando num clímax francamente conseguido. Depois, ainda temos direito a um epílogo quase irrisório que lhe dá um humor sedutor à moda de um “Thomas Crown Affair”, em que Jeremy Northam, que passeia pelo filme um pouco abananado, se transforma num Bond de óculos escuros e barba de 3 dias…
Um bom filme fantástico que traz boas expectativas sobre os projectos seguintes de Natali.
Em suma, bom.