23 de junho de 2006

«O Novo Mundo» («The New World», 2005), de Terrence Malick


A expressão que me parece caracterizar melhor este filme é «diamante em bruto». Quero com isto dizer que se trata de uma preciosidade, mas que lhe falta trabalho de lapidação. As sequências na natureza são muito belas, o tempo que a câmara se demora na exploração de um rosto, uma textura ou um curso de água permite a elevação para um patamar narrativo que dá ao espectador outra fruição. Mas tudo isto parece ser feito com o desprezo pelo aperfeiçoar do todo, ou seja, a montagem não efectuou o seu trabalho de forma a sublimar um arrebatamento que poderia ter existido.
As personagens – à excepção talvez da central, interpretada excelentemente pela jovem Q’Orianka Kilcher (um achado de expressividade e de força natural) – também não têm a dimensão que se exigia, nem são desenvolvidas de uma forma adequada a um filme com laivos de épico. É, pois, nesse sentido, quase um anti-épico.
Claro que Terrence Malick é um cineasta especial e uma vez mais isso nota-se aqui. De qualquer forma, é pena ficar-se com uma noção de desequilíbrio (e de aborrecimento, a espaços) quando se vislumbra tanto talento ao nível do tratamento visual e da transcendência de códigos narrativos e plásticos. É um belo filme que podia ter sido uma obra-prima se não se quisesse fugir a todo o custo ao convencional.

12 de junho de 2006

«O Tempo que Resta» («Le Temps qui Reste», 2005), de François Ozon


Reflexão sobre a morte, o novo filme de François Ozon segue Romain (excelente Melvil Poupaud), fotógrafo de moda com pouco mais de 30 anos e uma sentença fatal como resultado de um cancro disseminado. Romain vai-se despedindo da vida sem redenções eloquentes, fúrias rebeldes ou confissões imperativas. Basicamente, vai-se confrontando com imagens da infância, revê os seus entes queridos, fotografa, e vai sucumbindo sem lutar. Para o espectador, nós/eu, é obviamente incómodo e profundamente comovente (no sentido íntimo do constante mistério que é lidar com o tema do fim da existência) assistir aos últimos momentos da vida desta pessoa/personagem comum, sem exemplarismos morais, virtudes elevadas ou sequer particular simpatia. Nesse âmbito, podemos falar de realismo quando pensamos no perfil psicológico e atitudinal de Romain.
François Ozon executa um trabalho sóbrio de realização, sempre interessado no seu protagonista e respectivo caminho até ao melancólico e poético soçobrar na praia ao entardecer. Mesmo sem um grande argumento ou suficiente desenvolvimento de personagens secundárias ou suas relações (merece destaque a carismática presença de Jeanne Moreau como avó), este é um filme muito interessante, principalmente pelo retrato do protagonista e pela forma como ele nos faz também pensar sobre o efémero.