30 de maio de 2006

«O Código Da Vinci» («The Da Vinci Code», 2006), de Ron Howard


Para ir directo ao assunto, devo dizer que este é um bom thriller, feito para o grande público, mas com matéria suficiente para entreter enquanto nos faz reflectir sobre a História, especialmente a religiosa. Claro que grande parte do mérito do empreendimento vem da história original – o estrondoso fenómeno literário que Dan Brown criou. Não li o livro, mas é óbvio que se trata de um enredo imaginativo, uma deliciosa especulação que fascina por lidar com temas como as sociedades secretas, a arte e a história. Quero crer que é mesmo uma vantagem abordar o filme sem ter lido a obra literária, pois assim se evita a dispersão que sempre acarreta a comparação entre os dois. Vejam-se a propósito as reacções generalizadas de desilusão que os fãs do livro têm manifestado.
É óbvio que Ron Howard é um cineasta menor, rotineiro e incapaz de surpreender, mas tem que se compreender que era isso mesmo que o estúdio pretendia para alterar o mínimo possível aquilo que já era um estrondoso sucesso público. Podemos imaginar o que outro realizador (mais talentoso) faria com este material? Sem dúvida que sim. Mas aquilo que temos é uma história capaz de prender, fabricada com todos os ingredientes à disposição desta indústria.
Quanto à polémica, é contraproducente e acaba por ser quase ridícula. Obviamente que os protestos só geram publicidade gratuita e maior curiosidade. Este filme é tudo menos polémico e não podia ter ar mais ficcional…

4 de maio de 2006

«A Criança» («L’Enfant», 2005), de Luc e Jean-Pierre Dardenne


Emotivo exemplo do realismo contemporâneo (neo-realismo ou o que lhe quisermos chamar), este é um belo filme representativo de um cinema sem artifícios, directo, que conta uma história tão próxima de nós que quase a podemos tocar. Não há modificações em relação ao estilo dos irmãos belgas (veja-se o caso da outra Palma de Ouro, «Rosetta»), sem concessões, que jogam tudo no efeito de verdade que conseguem retirar dos seus actores, perseguindo-os implacavelmente de câmara ao ombro, perscrutando-os em grandes planos, acompanhando-os nas suas deambulações.
Neste caso, temos um pequeno delinquente, Bruno, que se vê a braços com um filho para o qual não está preparado. A sua falta de responsabilidade e de maturidade fazem com que coloque o bebé no centro dos seus esquemas para ganhar dinheiro sem trabalhar, mas a namorada, Sonia, não é da mesma estirpe e entra em colapso com a perda do bebé. Mas a redenção é possível…
Para além de sermos tocados por aqueles seres algo marginais, ainda em crescimento, mas inicialmente felizes, impressiona a forma como nos interessamos pelas suas opções, atitudes e trajectos, num percurso que quase se transforma num filme de suspense. É uma história de amor entre dois jovens (excelentes as sequências carnais sem sexo que quase tiram o fôlego ao casal), um retrato da realidade suburbana europeia das margens, uma ilustração do poderoso instinto materno (e da paternidade indiferente?)… Enfim, um conto da contemporaneidade onde não faltam os sinais do progresso (o uso do telemóvel é central) nem as características humanas que permanecem. Só não se percebe porque estreia quase um ano depois da consagração máxima em Cannes...