Spike Lee parece, com este filme, ter regredido um pouco aos primórdios da sua carreira. Isto porque, em vez de se manter na linha do seu magistral e sereno «A Última Hora», resolveu destilar veneno sobre a sociedade numa sátira cujo resultado final não consegue corresponder à soma aritmética das partes. Com isto quero dizer que o filme tem boas ideias, óptimos momentos e excelentes pedaços de crítica social, mas no cômputo geral não consegue uma harmonia narrativa que cole bem todos os ingredientes. Oscila demasiado de tom entre o drama pretensamente realista (as conversas de Jack com os pais ou com a ex-namorada) e o desvario cómico mais cartoonesco (os espermatozóides a correrem até ao ovo, John Turturro a imitar Vito Corleone), não conseguindo o equilíbrio desejado.
Mas o filme tem o mérito de nos obrigar a pensar, seja nos dilemas éticos do mundo empresarial ou biológico, seja na problemática das relações e do sexo. E há momentos impagáveis, como as cenas de sexo com as lésbicas propulsionadas por grandes quantidades de Viagra e Red-Bull ou a reconstituição onírica do caso Watergate.
27 de setembro de 2005
16 de setembro de 2005
"De Tanto Bater o Meu Coração Parou" (De Battre Mon Coeur S’Est Arrêtée, 2005), de Jacques Audiard
Primeiro, devo dizer que não vi a obra-prima que muitos apregoavam. Porém, é um filme muito interessante, visceral, ao jeito de algum Scorsese (mormente «Taxi Driver» e «Os Cavaleiros do Asfalto»). E como a cinefilia estabelece automaticamente uma geografia mental, é imperioso constatar que o mesmo Harvey Keitel que encarna a personagem principal de «Fingers» (a origem americana deste remake) aparecia também nos referidos filmes...
Avancemos. Não há dúvida que este é daqueles filmes que gravita totalmente sobre o seu protagonista (tal como «Dancer in the Dark» o fazia em relação a Björk, só para dar um entre muitíssimos exemplos). De facto, o Tomas desempenhado (de forma excelente, como é reconhecido) por Romain Duris é o centro da fita que joga tudo na nossa implicação mental com ele. Tomas vive inquieto e tudo à volta dele se edifica como dilemas (pai/mãe, amor/prazer, claro/escuro, pai/filho) a que tem que reagir quase sempre impulsivamente. É, pois, um filme dual, de contrastes, que explana a psicologia da sua personagem central quase em filigrana, dando a conhecer até os seus mecanismos mais ínfimos.
Não obstante o grande interesse que desperta na sua globalidade, parece faltar-lhe um certo arrebatamento e uma maior ligação dramática entre Tomas e o mundo exterior. Ou seja, é um bom retrato psicológico, mas não chega a ser sociológico.
Avancemos. Não há dúvida que este é daqueles filmes que gravita totalmente sobre o seu protagonista (tal como «Dancer in the Dark» o fazia em relação a Björk, só para dar um entre muitíssimos exemplos). De facto, o Tomas desempenhado (de forma excelente, como é reconhecido) por Romain Duris é o centro da fita que joga tudo na nossa implicação mental com ele. Tomas vive inquieto e tudo à volta dele se edifica como dilemas (pai/mãe, amor/prazer, claro/escuro, pai/filho) a que tem que reagir quase sempre impulsivamente. É, pois, um filme dual, de contrastes, que explana a psicologia da sua personagem central quase em filigrana, dando a conhecer até os seus mecanismos mais ínfimos.
Não obstante o grande interesse que desperta na sua globalidade, parece faltar-lhe um certo arrebatamento e uma maior ligação dramática entre Tomas e o mundo exterior. Ou seja, é um bom retrato psicológico, mas não chega a ser sociológico.
15 de setembro de 2005
«Os Psico-Detectives» («I Heart Huckabees», 2004), de David O. Russell
Este filme filia-se na tendência cinematográfica recente corporizada por cineastas como Spike Jonze e Michel Gondry, um cinema capaz de dar a ver ideias bizarras como forma de satirizar o mundo, dissecar a alma humana e, ao mesmo tempo, alargar um pouco as fronteiras narrativas e as possibilidades de mise-en-scène. Os resultados ficam muito distantes do genial «Queres Ser John Malkovich?», mas não deixa de ser um filme muito interessante e com bastantes pontos em comum com o filme citado.
A maior bizarria que o filme encerra é a subversão das coordenadas ficcionais epidérmicas. À superfície, tudo (e todos) parece alucinado, na fronteira da normalidade, mas por dentro há retratos humanos vulneráveis e um diagnóstico muito divertido da contemporaneidade. O mais curioso é que, pretendendo satirizar a sociedade de consumo, o filme acaba por ser ainda mais implacável para com aqueles que alegadamente a combatem. Apesar do elenco de eleição, é curiosamente Mark Wahlberg, um actor de muitas limitações, quem mais se consegue destacar com aquela cara impagável de obcecado.
Inteligente, apesar de desequilibrado e incapaz de se transcender, este filme de título difícil (o original como o português) consegue percorrer o arco entre a profundidade existencial e o vácuo da irrisão, um pouco à semelhança de «O Sentido da Vida» (outro filme genial), dos Monty Python.
Enfim, sai-se do cinema com um grande sorriso nos lábios. Mérito de uma comédia inteligente e que ousa parecer esquisita sem se preocupar com isso.
A maior bizarria que o filme encerra é a subversão das coordenadas ficcionais epidérmicas. À superfície, tudo (e todos) parece alucinado, na fronteira da normalidade, mas por dentro há retratos humanos vulneráveis e um diagnóstico muito divertido da contemporaneidade. O mais curioso é que, pretendendo satirizar a sociedade de consumo, o filme acaba por ser ainda mais implacável para com aqueles que alegadamente a combatem. Apesar do elenco de eleição, é curiosamente Mark Wahlberg, um actor de muitas limitações, quem mais se consegue destacar com aquela cara impagável de obcecado.
Inteligente, apesar de desequilibrado e incapaz de se transcender, este filme de título difícil (o original como o português) consegue percorrer o arco entre a profundidade existencial e o vácuo da irrisão, um pouco à semelhança de «O Sentido da Vida» (outro filme genial), dos Monty Python.
Enfim, sai-se do cinema com um grande sorriso nos lábios. Mérito de uma comédia inteligente e que ousa parecer esquisita sem se preocupar com isso.
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