Apetece começar por dizer que este pode ser um filme objecto de paixão, a mesma que os dois seres que o protagonizam descobrem nutrir um pelo outro. Por ele passa uma sensação inebriada de vida que só as paixões podem conferir: aquela sensação indomável de que se é capaz de fazer o que quer que seja, sem limites. Neste caso, porém, dá-se uma revisitação desta sensação (ocorrida nove anos antes na Viena de "Antes do amanhecer"). Agora, Jesse e Céline revivem a sua paixão num tempo e num espaço (Paris, mais símbolo que personagem) que os obriga a avaliar se ainda são os mesmos, pois as circunstâncias são bem diferentes e os caminhos de vida também. Redescobrem-se, mais maduros e menos ingénuos, numa espiral sentimental que os vai obrigar a reviver o passado e a re-perspectivar o futuro. É impressionante a forma realista como os seus trajectos de vida - principalmente o dele - nos são mostrados. Aqueles dois seres estão tão próximos de nós que não os precisamos de imaginar - são reais.
Poucos filmes mostraram a essência do romantismo de forma tão intimista e verdadeira. O fascínio de um homem por uma mulher, a sintonia comunicacional transformada numa pequena sinfonia composta pelas palavras certas, gestos simples, sorrisos cúmplices, silêncios transbordantes. Ethan Hawke e Julie Delpy são fantásticos e o realizador Richard Linklater consegue a proeza de repetir o mesmo efeito do filme de 1995. Com uma vantagem: agora as personagens apreciam mais os momentos únicos da vida - e nós com eles.
Mesmo que excessivamente palavroso (o filme não descansa dos diálogos nem repousa numa paisagem), este é um filme absolutamente especial para quem acredita que, num mundo de cinismo e de pragmatismo, o amor romântico ainda é possível - ou melhor, imprescindível.
19 de outubro de 2004
8 de outubro de 2004
"Eu, Robot" (I, Robot, 2004), de Alex Proyas
Mais um bom filme de Alex Proyas. Depois dos filmes de culto (bem negros) "O Corvo" e "Cidade Misteriosa", o cineasta australiano nascido no Egipto vira-se agora para uma produção mais "mainstream" que, apesar de manter um cunho visual bem trabalhado, cede às convenções do cinema de acção com um punhado de sequências "espectaculares" que existem para preencher o programa pré-estabelecido neste campo.
Todavia, Proyas sabe filmar e tem uma história bastante interessante para contar. Mesmo que fique a anos-luz das recentes obras-primas de Spielberg "A.I." e "Relatório Minoritário", que ocupam o mesmo terreno da antecipação científica e do pensar os problemas morais e éticos que a tecnologia pode criar num futuro mais ou menos próximo, "Eu, Robot" é um thriller que diverte e que tem como grande trunfo o robot Sonny - verdadeiro tratado de ambiguidade e talvez a personagem mais humana do filme (curioso que foi criado num processo análogo ao de Gollum da trilogia "O Senhor dos anéis"). Um robot mais humano do que os homens é sempre um campo fértil para a germinação cinematográfica...
Todavia, Proyas sabe filmar e tem uma história bastante interessante para contar. Mesmo que fique a anos-luz das recentes obras-primas de Spielberg "A.I." e "Relatório Minoritário", que ocupam o mesmo terreno da antecipação científica e do pensar os problemas morais e éticos que a tecnologia pode criar num futuro mais ou menos próximo, "Eu, Robot" é um thriller que diverte e que tem como grande trunfo o robot Sonny - verdadeiro tratado de ambiguidade e talvez a personagem mais humana do filme (curioso que foi criado num processo análogo ao de Gollum da trilogia "O Senhor dos anéis"). Um robot mais humano do que os homens é sempre um campo fértil para a germinação cinematográfica...
7 de outubro de 2004
"A Vila" (The Village, 2004), de M. Night Shyamalan
Sabe bem constatar que o categórico percurso do jovem M. Night Shyamalan se mantém inabalável, cimentando o seu prestígio. "A Vila" é mais uma obra de grande cinema que impressiona acima de tudo pela excelente realização e pelo fabuloso argumento. Na verdade, este é daqueles filmes que nos faz saborear uma história imprevisível cujas coordenadas são sempre incertas e por isso aguçam o prazer do olhar. É verdade que as reviravoltas são já a imagem de marca do autor, mas elas nunca são forçadas, antes jogam com a complexidade do real e do espectador, insuflando o poder da narrativa. Conferem até possibilidades de histórias ou ramificações, como se a dada altura o contador resolvesse propor um "e se...", enriquecendo assim a história principal.
"A Vila" é (também) sobre o medo, mas não me parece que seja um filme de terror, anda muito longe disso; apenas convoca alguns códigos do género para melhor os transcender. É principalmente uma história de amor, de inocência e de coragem, mas também uma ilustração megalómana da mentira dos homens. Tem, portanto, quase todos os ingredientes para construir uma sólida alegoria sobre a humanidade. E consegue-o, pois retrata sentimentos e emoções contraditórios, condutas e crenças que se propõem melhorar a vida em comum, mas que no fundo se ancoram na dúvida mais funda.
Num cast de luxo muito bem dirigido, destaca-se Bryce Dallas Howard, numa daquelas interpretações que fazem realmente acreditar (anseia-se pela sua prestação no próximo de Lars Von Trier e augura-se-lhe uma grande carreira). Intensos estão também Joaquin Phoenix, muito mais comedido do que é habitual, e o excelente William Hurt.
Soberba é a fotografia de Roger Deakins, viva e intensificadora da atmosfera que se pretende muito marcada pelos símbolos pictóricos. Já ao nível do tratamento sonoro, nota-se algum exagero nos sons ameaçadores.
Para finalizar, destaco a mais bela cena do filme: quando Lucius e Ivy falam no alpendre sobre os seus sentimentos - que diálogo fantástico - e confessam o amor recíproco.
"A Vila" é (também) sobre o medo, mas não me parece que seja um filme de terror, anda muito longe disso; apenas convoca alguns códigos do género para melhor os transcender. É principalmente uma história de amor, de inocência e de coragem, mas também uma ilustração megalómana da mentira dos homens. Tem, portanto, quase todos os ingredientes para construir uma sólida alegoria sobre a humanidade. E consegue-o, pois retrata sentimentos e emoções contraditórios, condutas e crenças que se propõem melhorar a vida em comum, mas que no fundo se ancoram na dúvida mais funda.
Num cast de luxo muito bem dirigido, destaca-se Bryce Dallas Howard, numa daquelas interpretações que fazem realmente acreditar (anseia-se pela sua prestação no próximo de Lars Von Trier e augura-se-lhe uma grande carreira). Intensos estão também Joaquin Phoenix, muito mais comedido do que é habitual, e o excelente William Hurt.
Soberba é a fotografia de Roger Deakins, viva e intensificadora da atmosfera que se pretende muito marcada pelos símbolos pictóricos. Já ao nível do tratamento sonoro, nota-se algum exagero nos sons ameaçadores.
Para finalizar, destaco a mais bela cena do filme: quando Lucius e Ivy falam no alpendre sobre os seus sentimentos - que diálogo fantástico - e confessam o amor recíproco.
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