Ninguém parece ter dúvidas de que Charlie Kaufman é um dos mais talentosos e originais argumentistas do presente, bem como ninguém duvidará que este é um filme de argumentista. Kaufman lança-se aqui numa abordagem desencantada do amor, dissecando o processo mental que o origina, construindo com isso um insólito filme romântico. O romantismo aqui reside no facto de o amor não ser visto como um simples e frágil fruto do acaso, mas antes uma espécie de reacção química recorrente que impele um ser para um outro. É isso que acontece reciprocamente entre Joel (Jim Carrey, melancólico como nunca) e Clementine (Kate Winslet, seguríssima no seu retrato de insegura), assim como entre Mary (Kirsten Dunst) e o médico (Tom Wilkinson). Sendo verdade que a ideia de romatismo encenada é forte, não deixa de ser triste (mas real) pensar na erosão temporal que afecta qualquer relação. O filme incorpora simultanemante o paraíso e o inferno do amor. Ou seja, celebra a energia fulgurante que o sentimento imprime nos amantes e confronta-nos com o enfraquecimento desse sentimento, numa lógica que é quase maníaco-depressiva.
As memórias têm um papel central no amor como na vida, sendo a base da construção da identidade. Ora, a mera possibilidade técnica de as apagar selectivamente (que o filme propõe) põem-nos tão em causa enquanto seres humanos que só poderia gerar o arrependimento após o despoletar do processo. Joel foge por entre os meandros da sua própria mente quando percebe que o desgosto de amor sempre é preferível à perda da identidade.
Apesar de perder na comparação com os filmes de Kaufman realizados por Spike Jonze (estes levam mais longe o seu delírio e são formalmente mais ricos), "O Despertar da Mente" é uma história complexa, audaciosa, fatal (mas esperançosa), funcionando como contraponto ao mundo cor-de-rosa que as histórias de amor no cinema costumam retratar. Já para não falar das ideias de romantismo veiculadas pela televisão, a galáxias de distância desta...
Em suma, bom.
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