29 de maio de 2004
Gelsen... quê?
Há momentos assim. Quando os sonhos se transformam em realidade. Um dia, 26 de Maio de 2004, a final da Liga dos Campeões entra-nos pela casa e quem são os deuses do estádio? Vítor Baía, Jorge Costa, Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho, Costinha, Maniche, Deco, Derlei... É o nosso grande Futebol Clube do Porto que suspende por 90 minutos as vidas dos que falam português. São eles que lutam, trabalham e exemplificam a sua arte. São bafejados pela sorte, mas procuram não falhar nos momentos decisivos. Eles querem concretizar o sonho de uma vida, de uma carreira e, por arrastamento, o nosso sonho de sermos melhores. A vitória concretiza-se. Vítor Baía (quem tem dúvidas de que é um dos melhores guarda-redes da história do nosso futebol?) salva logo no primeiro minuto o que poderia ser um péssimo início. Depois, o Mónaco não deixa o FCP trocar a bola como gosta, mas a sorte protege os audazes (e os campeões) e Carlos Alberto consegue marcar o primeiro golo. Alegria indescritível. O jogo continua dividido, sem que uma parte subjugue a outra, mas os reais monegascos são obrigados a arriscar. É aí que a afinada máquina azul-e-branca se torna letal: desfere dois golpes mortíferos (o mágico Deco, primeiro, Alenitchev depois) que trazem a taça mais desejada para o Porto, Portugal. O nosso olhar vai-se colando na alegria dos jogadores, no calculado distanciamento de Mourinho, nas manifestações de rua esfuziantes que nascem um pouco por todo o país. O sonho azul concretizou-se! Por instantes, estivemos no topo do mundo. A emoção indescritível deste momento tem o condão de insuflar a alma e proporcionar um precioso pedaço de felicidade.
13 de maio de 2004
"A Outra Metade do Amor" ("Lost and delirious", 2001), de Léa Pool
Um interessante exercício acerca das tortuosas relações na adolescência (neste caso, entre raparigas) e do nascimento do amor.
Necessariamente polémico, o filme não cai no simples manifesto lésbico, antes aproveita as suas actrizes (com boa presença) para nos dar um retrato realista da angústia adolescente e do sofrimento por amor.
Em suma, razoável.
Necessariamente polémico, o filme não cai no simples manifesto lésbico, antes aproveita as suas actrizes (com boa presença) para nos dar um retrato realista da angústia adolescente e do sofrimento por amor.
Em suma, razoável.
«A Companhia» (The Company, 2003), de Robert Altman
Decepcionante regresso do veteraníssimo e heterogéneo Robert Altman.
Este é um objecto que, antes de tudo, encalha na mais elementar indefinição programática. Ou seja, Altman não decidiu se queria fazer um documentário sobre o mundo da dança ou uma ficção nesse mundo inspirada ou passada (se decidiu, pelo menos, não se nota). O resultado é uma mistura das duas possibilidades que acaba por desbaratar o interesse da fita. Não existe um verdadeiro argumento, apenas um conjunto de sequências do quotidiano da escola de ballet de Chicago. As personagens também não têm um interesse que transcenda a banalidade. Aliás, não se percebe a necessidade de recrutar actores profissionais como Neve Campbell, Malcolm McDowell (caricatural) e James Franco. Não trazem nenhuma mais-valia a um projecto totalmente desprovido de dramatismo ou de sentido narrativo, não conseguindo gerar no espectador emoção.
Sobra um punhado de belos momentos de dança, ora com excelentes coreografias, ora com uma singela fixação na harmonia de um corpo. E isso é pouco. Já se sabe que mesmo um documentário tem que ter uma perspectiva, um propósito, uma intenção. Ora aqui não se vê mais do que bailado filmado, já que a câmara é neutra. Surpresa maior quando o vazio é assinado por Robert Altman.
Em suma, medíocre.
Este é um objecto que, antes de tudo, encalha na mais elementar indefinição programática. Ou seja, Altman não decidiu se queria fazer um documentário sobre o mundo da dança ou uma ficção nesse mundo inspirada ou passada (se decidiu, pelo menos, não se nota). O resultado é uma mistura das duas possibilidades que acaba por desbaratar o interesse da fita. Não existe um verdadeiro argumento, apenas um conjunto de sequências do quotidiano da escola de ballet de Chicago. As personagens também não têm um interesse que transcenda a banalidade. Aliás, não se percebe a necessidade de recrutar actores profissionais como Neve Campbell, Malcolm McDowell (caricatural) e James Franco. Não trazem nenhuma mais-valia a um projecto totalmente desprovido de dramatismo ou de sentido narrativo, não conseguindo gerar no espectador emoção.
Sobra um punhado de belos momentos de dança, ora com excelentes coreografias, ora com uma singela fixação na harmonia de um corpo. E isso é pouco. Já se sabe que mesmo um documentário tem que ter uma perspectiva, um propósito, uma intenção. Ora aqui não se vê mais do que bailado filmado, já que a câmara é neutra. Surpresa maior quando o vazio é assinado por Robert Altman.
Em suma, medíocre.
6 de maio de 2004
«Os Sonhadores» (The Dreamers, 2003), de Bernardo Bertolucci
Estimulante regresso de Bertolucci ao seu melhor num belíssimo exercício de amor ao cinema e à vida.
Um pouco à semelhança de filmes como «A Insustentável Leveza do Ser» ou «Henry e June», de Philip Kaufman - para além da energia erótica, «Os Sonhadores» retrata a sociedade da época (Paris no final dos anos 60 e a eclosão do «Maio de 68»), não pelo olhar colectivo, mas antes pelas convulsões que marcam a vida do trio principal que vamos conhecendo na intimidade e que constitui o espaço onde se jogam coisas decisivas da afectividade.
Michael Pitt, Eva Green e Louis Garrel (filho de Philippe Garrel) exalam energia, retratando o desejo de viver uma utopia de liberdade e amor. A sua clausura é feita de descoberta (de si e do outro), de experimentação, de reflexão e de prazer, povoada pelos jogos intelectuais e cinéfilos de puristas (recusam-se a ver televisão, sinal dos tempos). Um forte erotismo atravessa o triângulo amoroso destes sonhadores que misturam os filmes com a vida de uma forma que já não torna possível a distinção.
Destaque para o magnífico conjunto de canções que envolve a narrativa e confere às imagens uma dinâmica outra (particularmente belas as sequências com «La Mer» de Tenet e «The Spy» dos Doors).
Bertolucci regressa a Paris e à entrega dos corpos à paixão, mas, ao contrário do seu célebre último tango, há aqui uma figuração de recusa da solidão e onde a transgressão interior é o único caminho para a liberdade exterior. E a citação cinéfila é todo um programa irresistível.
Quando a história se finaliza e as imagens são ofuscadas pela voz sublime de Piaff a cantar «Je ne regrette rien», é impossível escapar de uma intensa emoção.
Em suma, muito bom.
Um pouco à semelhança de filmes como «A Insustentável Leveza do Ser» ou «Henry e June», de Philip Kaufman - para além da energia erótica, «Os Sonhadores» retrata a sociedade da época (Paris no final dos anos 60 e a eclosão do «Maio de 68»), não pelo olhar colectivo, mas antes pelas convulsões que marcam a vida do trio principal que vamos conhecendo na intimidade e que constitui o espaço onde se jogam coisas decisivas da afectividade.
Michael Pitt, Eva Green e Louis Garrel (filho de Philippe Garrel) exalam energia, retratando o desejo de viver uma utopia de liberdade e amor. A sua clausura é feita de descoberta (de si e do outro), de experimentação, de reflexão e de prazer, povoada pelos jogos intelectuais e cinéfilos de puristas (recusam-se a ver televisão, sinal dos tempos). Um forte erotismo atravessa o triângulo amoroso destes sonhadores que misturam os filmes com a vida de uma forma que já não torna possível a distinção.
Destaque para o magnífico conjunto de canções que envolve a narrativa e confere às imagens uma dinâmica outra (particularmente belas as sequências com «La Mer» de Tenet e «The Spy» dos Doors).
Bertolucci regressa a Paris e à entrega dos corpos à paixão, mas, ao contrário do seu célebre último tango, há aqui uma figuração de recusa da solidão e onde a transgressão interior é o único caminho para a liberdade exterior. E a citação cinéfila é todo um programa irresistível.
Quando a história se finaliza e as imagens são ofuscadas pela voz sublime de Piaff a cantar «Je ne regrette rien», é impossível escapar de uma intensa emoção.
Em suma, muito bom.
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