Este é um filme que tem tido a sorte de captar atenções de muita gente – tem sido um assinalável sucesso de público no contexto específico do cinema português, claro está – e de receber elogios de muita gente com relevo no nosso panorama social. Motivos para isso? Sem dúvida, e em primeiro lugar, pelo tema. É uma questão muito sensível a do desaparecimento de crianças (seja por rapto ou por qualquer outro processo), num quadro de crescente preocupação com o bem-estar das crianças, colocada na ordem do dia por casos sobejamente conhecidos. Por outro lado, o filme também consegue evitar alguns quistos da relação entre o cinema nacional e o público, especialmente do domínio narrativo e da fluência da trama (aqui não existem mensagens crípticas nem discursos aborrecidos). Por fim, também do ponto de vista formal, «Alice» possui um aspecto polido e uma arquitectura elegante.
Mas apesar de tudo isso, e muitos méritos o filme tem, não me parece ser o grande filme português que muitos apregoam e que, qual mito sebastiânico, viria reconciliar o nosso cinema (de qualidade, entenda-se) com o nosso público. Desde logo porque não é um filme tão emocional quanto poderia ser. É excelente que não enverede pelo caminho fácil de muitas reportagens televisivas (principalmente curtas) e não exponha a dor de alma em close-up, mas não consigo deixar de pensar no que seria o filme se experimentasse a situação de base temporalmente mais precoce (por exemplo, uma ou duas semanas após o desaparecimento em vez de seis meses), tentando aproximar-se das personagens antes de se instalar a rotina (um pouco como em «O Quarto do Filho», de Moretti). Penso que uma premissa dessas teria outro impacto emocional. Mas isso são apenas suposições. Outra suposição seria o filme enveredar por um registo mais «thrillesco», explorando os meandros das redes que muitas vezes se tecem com estas desgraças (um pouco o caminho de um «8 mm», de Joel Schumacher, num tema com alguns paralelismos).
Pensar no que o filme podia ter sido não abona muito a favor deste, mas isso também é injusto. Marco Martins consegue uma óptima realização, dirige muito bem os actores (Batarda, mesmo fugaz, é sempre excelente; Nuno Lopes também tem uma muito boa composição) e só pode ser incentivado a continuar. Outro aspecto muito bom é o realismo de algumas sequências e o seu certeiro efeito de «ar do tempo» (vejam-se os discursos da mulher que fala da igreja e das suas orações, a festa em casa do dealer ou a magnífica cena tragicómica do segurança do aeroporto perante as suas câmaras). Não ficamos a conhecer a Alice, mas ficamos com um bom retrato de uma família desesperadamente amputada. E depois ainda temos o tema musical principal de Bernardo Sassetti, talvez um dos mais belos do cinema português de todos os tempos.
24 de outubro de 2005
19 de outubro de 2005
"Os Irmãos Grimm" (The Brothers Grimm, 2005), de Terry Gilliam
É sempre de saudar a estreia de um novo filme do delirante Terry Gilliam, se bem que a sua obra seja desigual, oscilando sempre entre o génio e o duvidoso.
A ideia de elaborar uma ficção que misturasse o imaginário associado às histórias que os irmãos alemães coleccionaram e a sua própria vida é interessante. Mais, talvez, do que fazer uma biografia pretensamente fiel à vida dos Grimm.
E pode dizer-se que Ehren Kruger (argumentista de «Gritos») consegue arrancar um argumento escorreito, com alguma originalidade e ritmo fluído. A concepção visual também contribui positivamente para a atmosfera mágica e divertida que é criada (embora não se disfarcem os desaguisados com a substituição do director de fotografia original).
Entre os actores, destacam-se Heath Ledger, muito melhor do que Matt Damon, Jonathan Pryce e Peter Stormare. Não se pode esquecer também a belíssima Monica Bellucci e a sua fantástica indumentária (aliás, todo o guarda-roupa é de eleição).
É um bom divertimento, com algumas sequências divertidas, mas nitidamente com uma vocação mais juvenil (na linha de um «Harry Potter») do que adulta, apesar de algum humor negro ocasional. Esperava-se melhor, embora não seja dos piores filmes de Gilliam (como «Doze Macacos» ou «Delírio em Las Vegas»). Quanto a mim, prefiro o subvalorizado «A Fantástica Aventura do Barão»). E agora espera-se por «Tideland», que promete algo de completamente diferente...
A ideia de elaborar uma ficção que misturasse o imaginário associado às histórias que os irmãos alemães coleccionaram e a sua própria vida é interessante. Mais, talvez, do que fazer uma biografia pretensamente fiel à vida dos Grimm.
E pode dizer-se que Ehren Kruger (argumentista de «Gritos») consegue arrancar um argumento escorreito, com alguma originalidade e ritmo fluído. A concepção visual também contribui positivamente para a atmosfera mágica e divertida que é criada (embora não se disfarcem os desaguisados com a substituição do director de fotografia original).
Entre os actores, destacam-se Heath Ledger, muito melhor do que Matt Damon, Jonathan Pryce e Peter Stormare. Não se pode esquecer também a belíssima Monica Bellucci e a sua fantástica indumentária (aliás, todo o guarda-roupa é de eleição).
É um bom divertimento, com algumas sequências divertidas, mas nitidamente com uma vocação mais juvenil (na linha de um «Harry Potter») do que adulta, apesar de algum humor negro ocasional. Esperava-se melhor, embora não seja dos piores filmes de Gilliam (como «Doze Macacos» ou «Delírio em Las Vegas»). Quanto a mim, prefiro o subvalorizado «A Fantástica Aventura do Barão»). E agora espera-se por «Tideland», que promete algo de completamente diferente...
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