A morte, é bem sabido, não é um tema com que as pessoas nas nossas sociedades se sintam à vontade para lidar. Nunca é algo realmente interiorizado, fazendo parte dos lugares comuns dizer que ela é certa, mas nunca é realmente aceite e permanece como um buraco negro, misterioso e temível, centro dos discursos das religiões, mas apenas preocupação real dos homens quando a têm de enfrentar – directamente ou através dos entes queridos.
Falo disso porque «21 Gramas» transpira morte por todos os poros e, por isso, é muito incómodo. Aquelas personagens que nos perturbam (especialmente o magnífico trio constituído por Sean Penn, Benicio Del Toro e Naomi Watts) sentem que depois da morte a vida não continua, é outra coisa que continua, mas não a vida. E o inferno está na mente.
Alejandro González Iñarritu, depois da auspiciosa estreia com «Amor cão», confirma o seu talento de contador de histórias e de director de actores, conduzindo uma espécie de tripla via sacra contada em fragmentos cuja cronologia não é linear, mas antes baralhada para o espectador encaixar como um puzzle. A montagem fabrica um todo cristalino, apesar das sinuosidades internas, que nos arrebata pela densidade emocional e humana que transmite. É um filme muito duro, daqueles com que saímos com uma sensação de mal-estar, mas plenamente conseguido.
Em suma, muito bom.
20 de abril de 2004
14 de abril de 2004
«Alguém Tem Que Ceder» (Something’s gotta give, 2003), de Nancy Meyers
Uma comédia muito divertida e saborosa, nitidamente vocacionada para públicos maduros. A realizadora Nancy Meyers não tem um talento muito destacado, mas as excelentes interpretações e o argumento bem elaborado (e com algumas pérolas) aguentam o filme cabalmente.
Já se sabe que os grandes actores fazem maravilhas e muitas vezes – é o caso – carregam o filme às costas. Aqui, Jack Nicholson e Diane Keaton dão um show de representação e ofuscam todos os outros membros do cast. Perdão, Frances McDormand é inofuscável.
Nicholson, já se sabe, é um monstro da representação, e aqui dá-nos mais um saboroso retrato de um homem de meia idade que conquista mulheres jovens, mas nunca se deixa conquistar. Nalguns momentos, faz lembrar a sua personagem de «Melhor é Impossível», nomeadamente quando demonstra a sua incapacidade para lidar com o nascimento do amor, sentimento que não provara antes. É muito divertida também a forma como o actor se expõe quase ao ridículo para sublimar o efeito humorístico – é vê-lo todo despenteado a cambalear com a bata de hospital!...
Diane Keaton, para além de demonstrar a beleza e o charme que uma mulher de meia-idade pode ter, tem um dos melhores papéis da sua carreira, a actuar sempre no limiar da auto-irrisão pontuada por muitos momentos sensíveis.
Apesar de conter alguns clichés e momentos menos inspirados, como o inverosímil final com o piroso nevão, esta é uma comédia que vale a pena. Até para nos lembrar que nem só os jovens vivem o sexo e as relações com ardor e intensidade. Uma cena irresistível: Nicholson e Keaton vão para a cama e ela tem que lhe medir a tensão antes do acto; ele pergunta «Contracepção?», ela responde «menopausa».
Em suma, bom.
Já se sabe que os grandes actores fazem maravilhas e muitas vezes – é o caso – carregam o filme às costas. Aqui, Jack Nicholson e Diane Keaton dão um show de representação e ofuscam todos os outros membros do cast. Perdão, Frances McDormand é inofuscável.
Nicholson, já se sabe, é um monstro da representação, e aqui dá-nos mais um saboroso retrato de um homem de meia idade que conquista mulheres jovens, mas nunca se deixa conquistar. Nalguns momentos, faz lembrar a sua personagem de «Melhor é Impossível», nomeadamente quando demonstra a sua incapacidade para lidar com o nascimento do amor, sentimento que não provara antes. É muito divertida também a forma como o actor se expõe quase ao ridículo para sublimar o efeito humorístico – é vê-lo todo despenteado a cambalear com a bata de hospital!...
Diane Keaton, para além de demonstrar a beleza e o charme que uma mulher de meia-idade pode ter, tem um dos melhores papéis da sua carreira, a actuar sempre no limiar da auto-irrisão pontuada por muitos momentos sensíveis.
Apesar de conter alguns clichés e momentos menos inspirados, como o inverosímil final com o piroso nevão, esta é uma comédia que vale a pena. Até para nos lembrar que nem só os jovens vivem o sexo e as relações com ardor e intensidade. Uma cena irresistível: Nicholson e Keaton vão para a cama e ela tem que lhe medir a tensão antes do acto; ele pergunta «Contracepção?», ela responde «menopausa».
Em suma, bom.
10 de abril de 2004
Saramago, o lúcido
Dá sempre gosto ouvir alguém com um discurso ambicioso, não alinhado, descomprometido, preocupado com o estado do mundo e do país, apostado em fomentar a discussão e rejeitar a acomodação.
É isso que o nosso Nobel José Saramago tem feito a propósito da promoção do seu último livro – «Ensaio Sobre a Lucidez». Põe em causa a aparente democracia em que vivemos e denuncia aquilo que todos sabem, mas ninguém ousa contestar: a subjugação do poder político pelo poder económico, responsável pelas assimetrias sociais que, ao contrário do que os fazedores de opinião nos querem fazer crer, não são inevitáveis e muito menos são apenas os custos do menos mau dos sistemas, a democracia.
O voto – em branco ou não - continua a ser uma arma, mas às vezes é necessário que nos venham lembrar. Num tempo em que são os media que, de uma forma ou de outra e com maior ou menor influência, elegem os responsáveis políticos, é importante que não nos esqueçamos de um pressuposto fundamental: não nos devemos limitar à condição de espectadores da nossa própria história.
É isso que o nosso Nobel José Saramago tem feito a propósito da promoção do seu último livro – «Ensaio Sobre a Lucidez». Põe em causa a aparente democracia em que vivemos e denuncia aquilo que todos sabem, mas ninguém ousa contestar: a subjugação do poder político pelo poder económico, responsável pelas assimetrias sociais que, ao contrário do que os fazedores de opinião nos querem fazer crer, não são inevitáveis e muito menos são apenas os custos do menos mau dos sistemas, a democracia.
O voto – em branco ou não - continua a ser uma arma, mas às vezes é necessário que nos venham lembrar. Num tempo em que são os media que, de uma forma ou de outra e com maior ou menor influência, elegem os responsáveis políticos, é importante que não nos esqueçamos de um pressuposto fundamental: não nos devemos limitar à condição de espectadores da nossa própria história.
6 de abril de 2004
«À Dúzia é Mais Barato» (Cheaper by the dozen, 2003), de Shawn Levy
Claro que este filme é o que parece: uma comédia industrial de Hollywood sem nenhum tipo de originalidade nem de surpresa. Tem um argumento moralizador e cheio de boas intenções sobre a família média norte-americana e uma realização convencional que não pretende tirar o tapete ao espectador que aguarda divertimento despretensioso e uma oportunidade de levar as crianças ao cinema, se as tiver .
Mas, que diabo, a verdade é que me diverti a valer com o filme, que querem? Não tenho que me sentir culpado disso, claro, pois nem todo o cinema tem que ser sério.
Trata-se de uma comédia com muitos momentos hilariantes (à base de humor físico, é certo), diversos gags certeiros e diálogos a condizer, miúdos castiços e um vizinho beto que é um verdadeiro cromo, um Steve Martin ao seu melhor nível (capaz de fazer rir e de ser credível como pai) e um ritmo a condizer.
Faz lembrar em muitos aspectos «Sozinho em casa» e todo o seu "slapstick", com os miúdos a darem água pela barba aos adultos, que não conseguem canalizar a engenhosidade ingénua daqueles para propósitos criativos mais produtivos do que atiçar os cães à roupa interior do "inimigo".
Um filme que devia ser apoiado pela "Associação das Famílias Numerosas", pois faz a apologia de uma família com 12 (!) filhos, defendendo, apesar de todas as vicissitudes, a sua viabilidade sem prejuízo da sanidade de cada elemento (já que não se pretende uma história realista)... Ora aí está talvez a solução para, de uma vez só, contribuir para o equilíbrio demográfico e acabar com uma existência monótona e cinzenta – haja dinheiro para isso.
Um bom filme para levar os miúdos e ter uma terapia de grupo de boa disposição.
Em suma, bom.
Mas, que diabo, a verdade é que me diverti a valer com o filme, que querem? Não tenho que me sentir culpado disso, claro, pois nem todo o cinema tem que ser sério.
Trata-se de uma comédia com muitos momentos hilariantes (à base de humor físico, é certo), diversos gags certeiros e diálogos a condizer, miúdos castiços e um vizinho beto que é um verdadeiro cromo, um Steve Martin ao seu melhor nível (capaz de fazer rir e de ser credível como pai) e um ritmo a condizer.
Faz lembrar em muitos aspectos «Sozinho em casa» e todo o seu "slapstick", com os miúdos a darem água pela barba aos adultos, que não conseguem canalizar a engenhosidade ingénua daqueles para propósitos criativos mais produtivos do que atiçar os cães à roupa interior do "inimigo".
Um filme que devia ser apoiado pela "Associação das Famílias Numerosas", pois faz a apologia de uma família com 12 (!) filhos, defendendo, apesar de todas as vicissitudes, a sua viabilidade sem prejuízo da sanidade de cada elemento (já que não se pretende uma história realista)... Ora aí está talvez a solução para, de uma vez só, contribuir para o equilíbrio demográfico e acabar com uma existência monótona e cinzenta – haja dinheiro para isso.
Um bom filme para levar os miúdos e ter uma terapia de grupo de boa disposição.
Em suma, bom.
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