28 de março de 2005

"Darkness - As Trevas" (Darkness, 2002), de Jaume Balagueró

O realizador espanhol Jaume Balagueró esperava que tivéssemos medo. E pode-se dizer que tivemos.
Depois da sua auspiciosa estreia com o perturbante thriller "Os Sem Nome", Balagueró regressa aos mesmos temas em "Darkness", embora agora com mais dinheiro, alguns actores afamados e uma maior depuração estética.
Falado em inglês e com actores como Lena Olin, Anna Paquin e Giancarlo Giannini, "Darkness" é uma história que lida com o medo mais ancestral – a escuridão. É um eclipse que simboliza o momento em que forças misteriosas vão espoletar terríveis acontecimentos. São os sentimentos de amor e os laços familiares que, paradoxalmente, convocarão o mal mais fundo, através de consequentes rituais macabros. É com isso que o espectador mais se implica e a história se solidifica, equidistante de Carpenter ("A Cidade dos Malditos") e de Polanski ("A Semente do Diabo").
Balagueró conta com grande fluidez uma história que não parece ter um plano a mais. Tem as sequências indispensáveis para mostrar o que pretende através de uma montagem elegante. Trabalha igualmente muito bem com os efeitos sonoros e com a construção plástica dos ambientes em que os medos se libertam e o terror ameaça.
Com uma mão cheia de sequências muito bem conseguidas (vide o final), este filme impõe o seu autor como um dos mais importantes nomes do actual cinema fantástico europeu, aquele em que os efeitos especiais não são os grandes protagonistas.

8 de março de 2005

"Million Dollar Baby" (2004), de Clint Eastwood

«Million Dollar Baby» (esqueçamos o infeliz título português) é, de facto, um excelente filme. Assenta numa história simples, mas possui três extraordinárias personagens que conferem ao filme um realismo absolutamente fulminante (aqui o cinema é a antítese do artifício). O «boss» Clint Eastwood/Frankie é um homem amargurado pela vida, mas com uma réstea de esperança e auto-confiança que não o deixam cair no vórtice da desilusão. Aliás, possui no seu semblante qualquer coisa de finamente irónico que lhe dá charme e o resgata da comiseração. Morgan Freeman/Scrap (talvez a melhor interpretação do filme) é um ex-pugilista que vive num ginásio com os seus fantasmas e com a amizade não declarada daquele que foi seu treinador. Finalmente, Hilary Swank é uma espécie de anjo tenaz e desconcertante, apostada em trazer alguma luz à vida destes homens. Quase irreal de tão boa, Maggie procura a sua oportunidade, refugiando-se no treino que a impedirá de ir parar à temida «roulotte». As três personagens cruzam-se e depois, bem, depois é uma história de afectos, memórias, crenças e vicissitudes. Tudo muito natural (não naturalista, atenção!), esculpido na mais alta dignidade e orquestrado no limiar da ficção com um tom tão maduro que inspira respeito. É preciso ser um grande realizador para contar uma história tão tocante com tamanha depuração? Sem dúvida. Mas permitam-me destoar um pouco da tão reverencial recepção que o filme tem tido. Não me parece um trabalho genial de realização nem uma obra-prima absoluta. Essas concepções, já se sabe, são relativas, pelo que não adianta esgrimir argumentos. Apenas me parece, como se fosse pouco, ser mais um exemplo da maturidade (e mestria) de um realizador que já sabíamos ser um dos melhores em actividade. Continua, contudo, por ultrapassar o sublime «As Pontes de Madison County».